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Ana

Ana, de emoções voláteis: inflamam e desaparecem rapidamente como o rasto de uma chama. Ana nunca ligou muito às pessoas (embora ninguém saiba), às conversas... só a situações acontecimentos estações e espaços. As pessoas são apenas elementos activos nas situações. Por isso, os sentimentos de Ana são efémeros e até mesmo a saudade é forte apenas a curto prazo, depois vai se sumindo como um objecto à deriva no espaço até perder o seu centro gravitacional.
Também nunca ligou muito a histórias e intrigas: são meros artifícos de bisbilhotice, que entretêm as pessoas, deslocando-lhes a atenção e o raciocíno (se houver) para pessoas que se tornam objectos de atributos e conduta avaliáveis.
Ana não é anti-social, pelo contrário gosta de conversar e de convívios (situações), gosta de parecer normal e de se comportar como o previsto, como o esperado. É regrada mesmo em momentos de exaltação, mas por vezes escorrega: esquece-se das deixas do seu papel de Ana.
Ana não gosta de surpresas, porque não têm coragem para lidar com o indeterminado, por isso, raramente consegue supreender alguém e quando é supresa não sabe como reagir, e acaba por sair fora das directrizes do seu papel.
Mas não a julguem um monstro, incapaz de sentir; Ana sente, mas não se apega a nenhum sentimento, o que conduz à sua relutância em apertar os laços com as pessoas. Claro que tem afectos, mas não é afectuosa, porque ao sê-lo estaria a sair do campo do determinado, e isso assusta-a. Por isso, Ana manifesta apenas sentimentos lineares, os outros vão sendo lançados para o "espaço" até se terem perdido do centro gravitacional.
E hoje Ana conseguiu, mais uma vez, atingir o estado supra-estúpido de solidão por ausência de sentimentos que passaram e se perderam no espaço. E é isso que Ana têm hoje: um laço muito laço entre ela e o resto do mundo. E a culpa desta distância é dela e dela só, pelo afrouxar da corda, pelo desprendimento dos sentimentos.
E mais uma vez, gordas lágrimas rolam pela face de Ana e atingem com um impacto sonoro o tampo da secretária, com um impacto sonoro que quebra o silêncio insurdecedor sala.
Lágrimas: hoje os únicos elementos activos da situação.

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