Em julho participei num workshop de aguarelas, promovido pela Ossos do Ofício, com a Carolina Daniel.
Aqui fica o que consegui fazer: marcadores de livros, uma etiqueta e uma paisagem mais ou menos livre.
E vocês, o que fazem para sair da rotina?
Blog de crónicas e reflexões sobre o quotidiano e não só
Em julho participei num workshop de aguarelas, promovido pela Ossos do Ofício, com a Carolina Daniel.
Aqui fica o que consegui fazer: marcadores de livros, uma etiqueta e uma paisagem mais ou menos livre.
E vocês, o que fazem para sair da rotina?
Já andava com este livro debaixo de olho há algum tempo. Aqui e ali ia surgindo como sugestão "se gostou de x, vai gostar deste", ou "porque procurou y, veja z". Mas acho que o que pesou mesmo na minha decisão de compra deste livro, foi o facto de ter feito o teste do Read your color e depois de ter apurado que sou uma leitora com grande percentagem de Blue Reader, O Rouxinol aparecer como um livro-tipo desta categoria de leitores. (Se ainda não fizeram este teste, convido-vos a fazê-lo aqui.)
Parti então para a leitura de O Rouxinol, apenas sabendo que foi algures no tempo um best-seller, que, alegadamente, seria um bom livro para quem gosta de leituras que convidem à reflexão interior e que explorem os recantos do espírito humano. Não li a sinopse, apenas vi que tinha aproximadamente 600 páginas.
Comecei a lê-lo no início das minhas férias porque pensei que seria uma excelente oportunidade para ler um livro já médio-grande. Só não refleti que talvez o facto de ter começado a lê-lo enquanto estava a ler outros dois talvez não fosse ajudar.
O Rouxinol, de Kristin Hannah, é um livro que conta a história de duas irmãs francesas, Vianne e Isabelle Rossignol, no contexto da 2ª Guerra Mundial, aquando da ocupação de França pelas tropas alemãs. Até aqui, nada de muito novo: não é uma temática inovadora e por isso confesso que de início achei que afinal estava a embarcar numa história que tinha prometido mais do que iria entregar. É um livro que começa de forma algo lenta, demora algum tempo a contextualizar a situação quase idílica de uma das personagens principais, a Vianne, antes da Guerra lhe bater à porta. Digo quase idílica porque até parecia pouco verosímil que à época houvesse famílias a viver assim no contexto descrito. Depois a descrição e enquadramento da outra personagem principal, Isabelle, também me pareceu um bocado exagerada, no sentido do assinalar a sua rebeldia e irreverência. Por isso, considero que o início do livro não é muito abonatório. Mas, bom, as boas notícias é que melhora, e muito, na minha opinião.
Para mim foi mesmo um daqueles livros que começamos a ler aos poucos e por vezes a duvidar se nos vai encher as medidas, mas que à medida a que avança a história e o enredo, nos vamos envolvendo emocionalmente com as personagens e com o seu contexto, num crescendo constante.
Se comecei muito devagar, a ler pouco de cada vez e até a achar que os capítulos eram grandes demais, a verdade é que para o final já nem me apercebia, porque só queria continuar a ler.
Não tenho a certeza, porque não fui verificar, quanto da história de O Rouxinol é factual ou quanto é ficção, mas mais importante do que isso a meu ver é o facto de explorar a importância do papel das mulheres no contexto da 2ª Guerra Mundial, de como elas conseguiram lidar com as vicissitudes desse contexto, e de como tantas delas tiveram papeis importantíssimos e que raramente são mencionados. Acresce o facto de estar escrito de uma forma cuidada, mas despretensiosa, direta e clara, mas que consegue criar no leitor uma ligação emocional forte com as personagens. Ainda que muitas vezes desse por mim a pensar porque é que têm de ser sempre mulheres bonitas, ou que tenham de referir enfaticamente estas características, acho que não é isso que impede ou que é condição para que sejam admiráveis.
É muito evidente ao longo da história a evolução das personagens, que, aliada ao ritmo dos acontecimentos e à carga dramática dos mesmos é sem dúvida um facilitador para a ligação emocional por parte do leitor.
A cadência crescente dos acontecimentos, bem como um pequeno capítulo de salto no tempo que é um bom teaser para o desenlace da história (cujo suspense é mantido até ao final finalinho), acho que são os pontos principais que nos colam ao enredo até ao final.
Para mim O Rouxinol foi um livro arrebatador, merece muito toda a crítica positiva que tem recebido e se são leitores que gostam de romance histórico, ou de livros que falam de evento dramáticos, ou de livros que abordam a importância da figura da mulher, ou de livros que exploram o crescimento pessoal e a profundidade emocional, vão que vão bem.
Fiquei a pensar no que o saber ler significa. É sem dúvida uma capacidade notável que desenvolvemos e que aprendemos (agora mais) tendencialmente em tenra idade e depois nos acompanha ao longo da vida. Já quase tão básica como andar ou manusear objetos com as mãos que nem refletimos o quanto somos dependentes dela.
Conhecer todas as letras abre sim um portal para outra dimensão, uma dimensão onde o tempo não existe.
A escrita e a leitura permitem-nos comunicar com outros tempos. Já pensaram no incrível que isto é? Alguém escreveu o que estamos a ler agora. Esse alguém, do passado, está a comunicar connosco, do presente (do futuro, para quem escreveu).
A minha filha ainda não sabe as portas que se vão abrir quando conhecer todas as letras, pois ainda vive num mundo em que para já são apenas símbolos visuais. Mas quando desencriptadas as letras e as palavras e as frases e os textos vão levá-la a lugares que ela nunca imaginou, ou que já imaginou e não sabia que havia mais quem já o tivesse imaginado também. Vai poder ligar-se com todo um outro mundo completamente invisível a quem não lê. E isso, é uma verdadeira maravilha da civilização.
E ali estava Américo, acabadinho de sentar na
sua poltrona adaptada, que não era mais do que uma espécie de espreguiçadeira
de baloiço, ligeiramente mais alta que o sofá e com braços firmes, que tornava
o sentar e o levantar menos penosos. Fora oferecida pela insistente nora Sofia,
que não se cansava de lhes encher a casa com apetrechos “muito úteis para
jovens da terceira idade”. Américo detestava a poltrona, quase tanto como a
designação terceira idade. A crua verdade é que detestava ainda mais não conseguir levantar-se
do sofá sozinho.
- Isa! Toma: bebe a tua água mulher – ordenou Américo, estendendo o copo à mulher.
- Não, já bebi há pouco. Não quero andar a
correr para a casa de banho a tarde toda. Bebe tu a tua… Já viste, hoje estão
em Viseu.
- Estou a ver, estou a ver… bah, mas é sempre
a mesma coisa, não mostram nada das terras, mostram só o mesmo de sempre.
- Shh! Deixa ouvir – ralhou Elisa.
Eu não me lembro quando comecei a saber, pelo cheiro quente no ar, que a estação quente voltava. Aquele primeiro inspirar do ar fresco da manhã mal saio de casa, ar esse que me chega adocicado e talvez mais seco do que até então e por isso denuncie a chegada da primavera. O segundo inspirar já a perscrutar minuciosamente estes detalhes, como que a confirmar que é verdade, vai ser um dia quente de primavera, ou mais quente do que até aqui.
Eu não me lembro do percurso que fiz hoje de carro quando
regressava do trabalho. Vim pelo mesmo caminho de sempre, e sei que passei por
lá, mas não me lembro de tê-lo feito. Vinha, como grande parte das vezes, a
contar histórias a mim mesma, a resumir o que se passou durante o dia, ou que
vai ter de passar-se mais cedo ou mais tarde. A treinar um discurso, ou até
mesmo a treinar um raciocínio que me permita perceber melhor como lidar com
aquela situação em particular. Não me lembro por isso se o sol se pôs durante o
percurso, ou se já tinha desaparecido antes de sair.
Eu não me lembro do que ofereci ao meu pai no Natal passado.
Aliás, apercebo-me agora que também não me lembro do que lhe ofereci no seu
último aniversário em junho. Terá sido um livro? Penso que o último livro que
lhe ofereci foi num aniversário, mas também não foi no deste ano. Talvez uma
camisola, ou uma garrafa de vinho. Não me lembro porque não sei se gostou ou
não: não cheguei a vê-lo abrir o presente. Dei-lho no jantar que fizemos no
fim-de-semana antes do Natal e ficou de abrir só no dia de Natal, como é
tradição.
Eu não me lembro de quando aprendi a nadar. Sei que deveria
ter cerca de 8 anos quando comecei a ter aulas na piscina do CMEFD. Aquela
piscina gigante. Não me lembro da primeira sensação boa de conseguir estar,
tranquilamente, na água sem estar agarrada à borda da piscina, ou com os pés a
tocar no chão da piscina. Não me lembro da primeira vez em que fui só eu, sem
boias, ou pranchas de espuma, a nadar uma piscina inteira até ao fim. Não me
lembro da primeira vez que não fiquei atrapalhada com a água a entrar no nariz, ou nos olhos, ou nos ouvidos.
Não me lembro de quando consegui escrever o meu nome. Não me
lembro se aprendi a escrever primeiro o meu diminutivo ou logo o nome todo. Sim, porque para estreantes, um nome com oito letras não deve ser fácil. Talvez
tivesse ocupado uma folha A4 inteira para o escrever. Ou comecei forte com
letras grandes e acabei sem espaço para a últimas que ficaram encavalitadas
umas nas outras. Não me lembro se terei escrito a lápis, ou a caneta, ou a
marcador. Provavelmente foi escrito a cor-de-rosa, se houvesse à mão.
Não me lembro de ter ido morar para Nisa, mas não foi lá que a minha vida começou e no entanto, todas as primeiras memórias que tenho são lá. Não me lembro de nada antes disso. Vivi lá cerca de quatro anos, até aos cinco anos de idade e não me lembro de ter tido frio, nem de dias de chuva, só sol. Não me lembro de ter começado a ir para a escola, lembro de ir somente. Não me lembro da cor da nossa porta de casa, só me lembro que a cozinha devia ser azul.
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imagem obtida com recurso a IA |
Este é um pequeno texto de abertura de um conto infantojuvenil. Mais um dos meus experimentos.